Minha mãe não tinha curso superior e meu pai abandonou a faculdade. Assim como, para uma pessoa sem muita perspectiva, certamente estudar era uma das poucas opções de melhorar de vida. A bem da verdade, eu tentei ser jogador de futebol contudo sempre sobrava por último na definição dos times na educação física boa parte das vezes e o máximo que conseguia era jogar torneio de bairro (e sempre no gol). Ser cantor ou ator também estavam fora de cogitação.
Morei em Muriaé até meus 17 anos. No entanto, sofria certa insistência dos meus pais para tentar medicina, apesar de não saber muito o que eu queria de verdade. A verdade é que eu não tinha preparo na época para passar no vestibular ao mesmo tempo condições financeiras para fazer uma faculdade particular.
Fiz cursinho pré-vestibular em Vitória-ES e conseguia bolsas recorrentes em um dos melhores cursinhos da cidade, de forma que acabou barateando a minha permanência em outra cidade e tornar o sonho de passar em uma universidade uma possibilidade mais real.
Passei na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) após 2 anos tentando, porém foram tempos de incertezas e frustrações, além de algumas tentativas de desistir no meio do caminho.
Contudo, o esforço foi recompensado com várias aprovações de uma vez. (Aqui, um dos melhores dias da minha vida).
Revisando este texto, queria deixar um agradecimento aos meus pais por terem mais fé em mim do que eu mesmo em alguns momentos. Certamente, esse foi um dos piores períodos para mim. A primeira vez morando longe de casa, sem encontrar os amigos, vindo do interior de MG, tendo que compensar toda o despreparo estudantil que percebia em mim em um tempo curto, sem uma clara definição do que eu iria fazer da vida associado à sensação de que tudo era uma aposta que poderia dar mais errado do que certo.
Todavia, havia uma luz no fim do túnel, ou seja, uma UFMG no fim do túnel, pois havia passado na faculdade que sempre sonhei.
A alegria inicial foi dando lugar a decepção, ainda que apesar de estar na universidade que queria e de certa forma me sentir realizado, não me adaptei bem ao curso. O ciclo básico do curso de medicina não era tão voltado para áreas diretamente ligadas ao atendimento em si, assim sendo algo mais teórico e com conteúdo e métodos de ensino que eu julgava serem desatualizados. A empolgação inicial deu lugar à frustração e assim também as notas baixas começaram a aparecer. Não via associação entre aquilo que esperava e o que recebia. Como resultado, por um tempo comecei a pensar se não havia caminhos diferentes.
Portanto, cogitei abandonar o curso e tentar algo diferente, pois nem ao menos eu tinha certeza se era aquilo que eu realmente queria. Embora, antes de entrar na faculdade, pensava em fazer economia ou publicidade, assim sendo ficava avaliando possibilidades, ainda mais nesse período de desânimo.
Sobretudo, são esses momentos que mostram o quanto a estrutura familiar é importante na vida de uma pessoa. Quando meus próprios pensamentos começaram a me trair de alguma forma, eis que meus pais novamente se mostraram conselheiros valiosos.
Surpreendentemente, nada de extraordinário foi feito, apenas dei tempo ao tempo até as coisas começarem a fazer mais sentido e ficassem mais prazerosas.
Eu não era daquelas pessoas que sempre sonhou em ser médico, que enxergava a profissão como um dom ou que tinham uma pessoa a se inspirar próxima. Igualmente, não era apaixonado pela profissão e fui tentado algumas vezes a outros caminhos até que achasse um propósito naquilo tudo.
Certamente, minha decisão de fazer medicina foi mais racional, muito voltado para a expectativa de ascensão social e financeira. Vivemos em um mundo capitalista, pois não é nada agradável para a população mais marginalizada.
Em algum momento depois do meio do curso, descobri que realmente gostava daquilo, na medida em que amadurecia e ia conhecendo melhor as áreas diretamente ligadas ao que eu queria fazer.
O contato com as pessoas, a satisfação de ver melhora com os tratamentos, o desenvolvimento de empatia com a dor do outro, o entendimento de que somos finitos e frágeis, sobretudo levou-me a uma transformação que me fez enxergar o mundo de muitas outras formas, sendo assim, me apaixonar pela profissão de verdade.
Na faculdade pude conhecer o SUS que funciona e o quanto as pessoas que trabalham nele se empenham em oferecer o melhor para o paciente mesmo com todas as limitações do sistema.
Quando me formei, fui trabalhar na atenção primária por 2 anos, na minha cidade natal, Muriaé-MG. Ali vi as necessidades mais básicas da população e comecei a tomar gosto pela neurologia, uma vez que atendia muitas queixas neurológicas, como dor de cabeça, epilepsia e insônia.
Em seguida pude atender pessoas que me viram crescer e amigos, assim sendo uma experiência muito agradável. Acima de tudo sabia que precisava me aprofundar mais, aprender mais. Queria ser especialista, mais especificamente, neurologista.
Passei na prova de residência (especialização em neurologia) do maior hospital em número de atendimentos SUS de Minas Gerais, a Santa Casa de Belo Horizonte, um hospital com quase mil leitos exclusivamente endereçados ao setor público.
Na residência vi o quanto um sistema público organizado é sustentável e capaz de fornecer uma assistência à saúde qualificada.
Boa parte da residência foi realizada durante à pandemia em meio às incertezas de uma doença nova e mortal. Contudo, foi uma oportunidade muito importante atuar em todas as linhas de atendimento do COVID, desde a linha de frente no pronto socorro de outros hospitais, de forma intra-hospitalar, já avaliando pacientes que necessitavam permanecerem internados e como residente de neurologia, dando suporte às equipes nas complicações neurológicas do COVID.
Nosso volume de atendimentos era enorme, mesmo na pandemia, pela Santa Casa de BH ser um hospital de referência para atendimento neurológico em Minas Gerais, atendendo pessoas de todas as regiões do estado.
Nosso contato com pacientes com dor de cabeça, epilepsia, esclerose múltipla, demências, AVCs, entre outras doenças, era diário. Lidávamos com casos que a atenção primária (postos de saúde) e secundária (neurologia geral) não conseguiram lidar.
Foram 3 anos de residência que me transformaram tecnicamente e como pessoa. Tive mentores excepcionais que me inspiraram a sempre buscar melhorar e a ser um profissional responsável. Também fiz grandes amizades que me deram o suporte necessário para aguentar a rotina exaustiva da residência.
Ao longo de toda essa jornada, saindo de uma realidade de periferia pobre e tentando mudar de vida com esforço, aprendi que a consistência é mais importante que o talento e que falhar não é o oposto do sucesso, contudo faz parte dele. Me considero uma pessoa realizada de muitas formas e de sucesso em muito do que me dispus a fazer até o momento.
Também percebi que, ao contrário do que os filmes de Hollywood pregam, quem quer crescer e se propõe a ser útil para a sociedade vai precisar de ajuda, todavia é claro de estar disponível para ajudar quando necessário. “Pessoas ajudam pessoas”, esse é um dos lemas que carrego comigo e que coloco em prática tanto na minha vida pessoal, quanto para os meus pacientes.
Ao longo da especialização, tive maior contato com a neuroimunologia, área que cuida de pacientes com esclerose múltipla e neuromielite óptica, de tal forma que motivou-me a continuar meu aperfeiçoamento na área, mas desta vez em São Paulo.
Iniciei minha subespecialização (fellowship) nesta área em fevereiro de 2022 na Santa Casa de São Paulo, instituição com muita tradição onde tenho a oportunidade de aprender com profissionais altamente capacitados que me ensinam muito.
Cidade nova, novos desafios, porém tenho me adaptado muito bem até o momento. Assim sendo, fico feliz por ter chegado aonde cheguei, portanto consciente de que quero melhorar cada vez mais. Procuro manter meu propósito de devolver um pouco do que aprendi aos pacientes que utilizam o SUS, portanto, já que devo minha formação a este sistema.
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